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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Tony Bellotto - Doutor Z - 2666 e Roberto Bolaño

Matéria escrita para Revista Veja


Uma ida ao médico é sempre um confronto. Um confronto com a morte – ou com o medo de morrer -, com a finitude da vida, com a fugacidade do tempo, com o enigma da existência e com o sentido da vida, se é que existe algum. Meu médico é um sujeito especial. Sempre tenho a impressão de que ele saiu de um livro, como se meu médico não fosse um homem de carne e osso, mas um personagem de Tchekov. Chamá-lo-ei doutor Z. Se revelar o nome completo tenho medo de que seu consultório, que já é bombado, fique ainda mais congestionado.
Como bom hipocondríaco, gosto de saber que doutor Z estará disponível no caso de uma emergência. Logo que me recebe, em vez de me inquirir a respeito de minhas funções intestinais ou minhas horas de sono, doutor Z quer saber a quantas andam meus projetos literários e sobre o quê escrevo no momento. Pergunta também como está a banda, e se temos feito muitos shows. Enquanto me ausculta, diz que acaba de ler o livro que mais o impressionou nos últimos 40 anos: 2666, de Roberto Bolaño.
Reajo com entusiasmo: eu também pirei com esse livro!, brado, enquanto minha pressão arterial é medida. Devo ter atingido um pico de pressão, tamanha minha admiração por Bolaño. Enquanto me perscruta, apalpando-me o fígado, doutor Z se pergunta que doença terá acometido Bolaño, que morreu na Espanha de insuficiência hepática aos 50 anos de idade, em 2003.
A Espanha é um dos países em que mais se realiza transplantes de fígado, observa, pensativo. Ao final da consulta, doutor Z divaga sobre a dificuldade que temos de aceitar a dor da perda, o que acaba nos levando a Darwin e à teoria da Evolução. Viver é nascer, comer, copular e morrer, filosofa doutor Z, o resto é delírio. O substantivo me remete a um outro livro antológico, Deus, um Delírio, de Richard Dawkins. Pergunto se doutor Z já o leu. Não, mas já ouvi falar, ele responde. Está decidido, vou comprá-lo ainda hoje, quando sair do consultório. Será minha próxima leitura. E assim nos despedimos, sob a égide de Hipócrates, com os eflúvios de Bolaño, Darwin e Dawkins pairando no ar.
Por Tony Bellotto



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